Um ajustamento salarial de 6% a 14% para os órgãos de defesa e segurança, aplicado a partir deste mês, foi aprovado na primeira reunião do Conselho de Ministros de Angola, em 21 de Setembro. O MPLA, para além de ter medo político da UNITA, está em pânico perante qualquer reacção destas forças que poderão (remotamente, é claro) querer que Angola seja um Estado de Direito.
O ajuste salarial dá cumprimento à promessa feita pelo Presidente João Lourenço no dia da sua investidura, quando anunciou que esta seria uma das medidas a tomar nos primeiros dias do seu novo mandato.
O aumento dos vencimentos destina-se aos efectivos das Forças Armadas Angolanas e da Polícia Nacional e anda em torno dos 6%, mas são superiores no caso das categorias mais baixas, devendo ser processado com retroactivos desde Junho, noticiou a Radio Nacional de Angola.
Segundo a ministra das Finanças, Vera Daves de Sousa, a proposta assenta num ajustamento de 6% e foi considerada uma reserva financeira para este fim, havendo condições para avançar com a sua implementação, que visa melhorar o poder de compra dos efectivos.
Na reunião foi também apreciada uma proposta de revisão da previsão macroeconómica executiva referente ao ano de 2022.
Recorde-se que o chefe de Estado do MPLA (seria de Angola se tivesse ganho as eleições), João Lourenço, prometeu em 15 de Setembro “ser o Presidente de todos os angolanos” (do MPLA) e promover o desenvolvimento económico e o bem-estar da população, indo mesmo ao ponto de prometer defender os macacos e os chimpanzés (será também com um aumento do salário?), ao discursar na cerimónia da sua posse.
“Ao assumir, por mandato do povo soberano, as funções de Presidente da República de Angola, declaro por minha honra respeitar a Constituição e a Lei, ser o Presidente de todos os angolanos e governar em prol do desenvolvimento económico e social do país e do bem-estar de todos os angolanos”, disse o chefe de Estado do MPLA, em Luanda.
Supostamente reeleito com 51,17% dos votos, numa eleição contestada pela oposição mas validada pela sucursal do MPLA, o Tribunal Constitucional, João Lourenço felicitou o povo do MPLA, que considerou “o real e verdadeiro grande vencedor” das eleições de 24 de Agosto, que lembrou já serem consideradas “as mais disputadas eleições gerais da história da jovem democracia angolana”.
João Lourenço elogiou os angolanos do MPLA por fazerem “as melhores opções” e escolherem “com muita responsabilidade o futuro do seu país”.
“Ao elegerem o MPLA e o seu candidato, apostaram na continuidade como forma segura de garantir a paz, a estabilidade e o desenvolvimento económico e social do país”, afirmou, felicitando também todos os partidos e coligações pela sua participação nas eleições, “o que contribuiu para o fortalecimento da nossa democracia”.
Na verdade, quando ganha quem perdeu, nunca a democracia sai fortalecida. Mas como João Lourenço tem do seu lado, para além das conhecidas sucursais do MPLA (TC e CNE), também as Forças Armadas e Polícia (supostamente apartidárias), tudo é possível. Aliás, pouco antes da tomada de posse, o ministro de Estado e chefe da Casa Militar, general Francisco Furtado, disse que o exército (fortemente armado) nas ruas de Luanda servia para proteger o povo e acusou a oposição de ter apostado numa estratégia de subversão para derrubar o governo.
Sobre o seu segundo mandato, trocando os seis prometidos em 2017 por meia dúzia em 2022, o Presidente prometeu mais do mesmo, e dedicar todas as suas forças e atenção à “busca permanente das melhores soluções para os principais problemas do país, a começar pelo sector social e pelo bem-estar da população. Na altura, os 20 milhões de pobres que Angola tem nas suas “fileiras” estavam mais preocupados em cumprir com a ordem superior para aprenderem a viver sem… comer.
“Continuaremos a investir no ser humano como principal agente do desenvolvimento, na sua educação e formação, nos cuidados de saúde, na habitação condigna, no acesso à água potável e energia eléctrica, no saneamento básico”, disse. Ou seja, repete 2017 e daqui a cinco anos estará a dizer o mesmo. O MPLA é mesmo assim. Há 47 anos que mente às segundas, quartas e sextas, aldrabando às terças, quintas e sábados. Aos domingos descansa.
João Lourenço prometeu também incentivar e promover o sector privado da economia, “para aumentar a oferta de bens e serviços de produção nacional, aumentar as exportações e criar cada vez mais postos de trabalho para os angolanos, sobretudo para os mais jovens”.
“O cidadão em geral, o trabalhador e o jovem em particular, continuam no centro das nossas atenções”, disse João Lourenço, prometendo trabalhar para que a economia angolana “possa garantir ao trabalhador um salário condigno e um poder de compra que seja compatível com a capacidade de aquisição dos bens essenciais de consumo da cesta básica”.
Prometeu igualmente “dar continuidade e concluir” infra-estruturas como o porto de águas profundas do Caio em Cabinda, os aeroportos de Cabinda, de Mbanza Congo e o Internacional António Agostinho Neto em Luanda, as refinarias de petróleo de Cabinda, do Soyo e do Lobito, entre outros, e comprometeu-se a construir sistemas de captação, tratamento e distribuição de água do BITA e da Quilonga para solucionar o défice de água de Luanda, assim como os canais e barragens no âmbito da luta contra os efeitos da seca no sul de Angola.
A igualdade do género foi outro tema abordado no discurso do chefe de Estado do MPLA, que defendeu a igualdade de oportunidades e promoção da mulher nos mais altos cargos do Estado do MPLA, nos cargos públicos e de liderança em diferentes sectores da sociedade angolana. E insistiu na questão da prevenção e combate contra a corrupção e a impunidade, “que ainda prevalece”.
“Vamos todos trabalhar na educação das pessoas para a necessidade da mudança de paradigma, de vícios, más práticas e maus comportamentos instalados e enraizados há anos”, afirmou.
João Lourenço disse ainda contar com “a participação e o escrutínio de todos”, desde os deputados eleitos, às organizações não-governamentais, classes profissionais, sindicatos, do sector empresarial, académicos, igrejas e ‘media’.
Prometeu também que Angola continuará a trabalhar para proteger o planeta das alterações climáticas, nomeadamente com programas de educação ambiental com vista a desencorajar a desflorestação e as queimadas, com acções concretas de redução do consumo dos derivados do petróleo e da utilização da lenha para consumo doméstico ou industrial e com investimento em fontes limpas de produção de energia como barragens, parques fotovoltaicos e projectos de hidrogénio verde.
Satisfeitos ficam os macacos e os chimpanzés que, talvez pela primeira vez, tenham tido direito de antena no discurso de posse de um presidente que, apesar de não eleito, continua no poder.
TODA A GENTE COMPRA ÁGUA
Com a devida vénia, reproduzimos agora o texto «Em Luanda, vende-se água em saquinhos de plástico: “É mais barato”», da enviada a Angola da TSF, Dora Pires, e publicado no dia 23 de Agosto:
«Toda a gente compra alguma coisa a alguém – é a base da economia de rua em Angola. É na rua, na beira dos passeios ou no meio do pó entre poças de água e esgoto que vendem doses minimalistas de qualquer coisa, desde sapatos sem par a pirâmides de laranjinhas. Ou saquinhos de plástico com água fresca.
O bairro de S. Paulo, em Luanda, é a meca das vendedeiras de Angola. É onde ficam muitos dos armazéns onde as mulheres compram de quase tudo para vender aos muitos que só em sonhos poderiam entrar numa loja com nome.
É ali que alimentam os filhos ao colo, que chegam a cozinhar alguma coisa para os mais crescidos ou que penteiam a “mais velha”. Também é ali que começam a vender as primeiras migalhas da carga que hão-de carregar à cabeça cidade fora. Mas há quem nem isso consiga – abastecer-se nos armazéns -, mas ainda assim venda na rua.
Tonete anda pesada, transporta um imenso alguidar de plástico com água e gelo onde nadam mal algumas garrafas de água e saquinhos de plástico transparente com água. “Vendo os sacos de água porque não tenho mais garrafa. É mais barato”, explica como quem não percebe a pergunta.
E continua, paciente. “Por causa das dificuldades da vida que a gente está a passar, temos de vender água para ver se a gente põe qualquer coisa em casa.”
Mas porquê nos sacos e não nas garrafas? “É mais barato, e já não temos dinheiro para comprar mais garrafa.”
Os clientes chupam por um canto do saco de plástico e apertam o outro para fazer subir a água. A água parece tão limpa como a que enche as garrafas de plástico reutilizadas sabe-se lá quantas vezes. Tonete garante a qualidade e os fregueses parecem confiar, mas o segredo está nas contas: “Uma garrafa de água custa 1300 Kwanzas (cerca de três euros), um bidon de água do tanque custa 100 Kwanzas”, ou seja, pouco mais de 20 cêntimos.
É deste bidon que se enchem os saquinhos para venda que, quando há condições para esse luxo, até podem estar congelados. Cada saco equivale mais ou menos a um gole, se não tivermos muita sede, e custa à volta de 15 cêntimos.
Na zona onde Tonete vive, a uns 15 quilómetros do centro de Luanda, há canalizações, “mas não corre água”. Fraquinho, mas o negócio de Tonete dá, por isso, o único rendimento certo para toda a família.
Para esta aguadeira do século XXI, tal como outras “Tonetes” no século XX, é a água que dá de comer lá para casa. Tem marido desempregado e três filhos menores, também tem 32 anos, “mas parece ter 23”. É a única frase que lhe arranca um sorriso.»
Foto de Dora Pires/TSF